domingo, 15 de outubro de 2017

AO CERNE DA MADEIRA



         
Vendo aquela árvore se sobressaindo, com tronco enorme e copa gigantesca, meu pai explicou: aquela é uma cabriúva. É usada para fazer tabuinhas de telhado. O cerne puro dura muitos anos. Seus brotos novos dão os melhores cabos de relhos, enxadas, foices e, quando um pouco maiores, cabos de machados e cambões.

          Tínhamos orgulho em aprender tudo sobre árvores e plantas. Sempre que víamos alguma espécie nova, recebíamos uma aula ali mesmo. Quando íamos catar cipós e taquaruçus para trançar balaios, o vizinho, especialista no assunto ensinava: Cipó de São João é forte e meio flexível. Os mais grossos servem de base. A primeira amarra se faz com unha-de-gato, que é bem macio e não quebra. No início juntamos as guias três a três. Vamos separando aos poucos, tramando com tentos mais finos, para depois aumentar a espessura. Não esquecendo de acrescentar uma guia a mais para formar número ímpar. Assim a trança firma: ora por cima, ora por baixo, tecendo o fundo do cesto.

          Preciosidades eram com meu avô: Vejam aquele tronco esbranquiçado, com nervuras na base perto do chão e liso para o alto. Um tarumã. Madeira fria que não queima. É o melhor capitão de cerca. Não apodrece nunca. Nem pega fogo.

          Meu pai parou na borda do mato: Estão sentindo o cheiro? É flor da corticeira do banhado. Pau para fazer cortiça. Suas flores têm a forma de um patinho. Quantas vezes joguei na sanga para ver flutuar na correnteza. Não sei por que, me leva a essas divagações infantis; vagueio com suave emoção. *  A corticeira da serra é mais dura. Fornece tábuas leves usadas para móveis e divisórias.

         Conhecer árvores pelas folhas, cascas e flores, fazia parte da iniciação. O grau máximo do aprendizado era quando tínhamos que identificar tábuas e barrotes, com os olhos vendados, descrevendo as espécies pelo cheiro das lascas.

- Essa é fácil! Cedro rosa.

- Outra.

- Canela-do-brejo. Boa prá cangas.

- E essa?

– Tem cheiro de angico. Usado prá cabeçalhos.

- Branco ou vermelho? 

Porto Alegre, julho de 2017, Jorge Luiz Bledow.

2 comentários:

  1. Excelente texto. Estilo singelo, como o exige o tema. No tamanho certo. Sem faltas ou sobras. Parabéns

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  2. Adorei essa história do campo, Bledow. Não tive a felicidade de viver assim, mas lembrei muito da minha avó Conceição, que contava seus conhecimentos para mim

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