sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

Na fila do SUS


São 7 horas de uma terça-feira. Estou aqui na fila do SUS já faz algum tempo. Cheguei cedinho. Havia algumas pessoas. Sou o quarto da fila.

Chega alguém com jeito de pedinte. Logo vejo que conhece a primeira da fila:

- Bom Dia guria!

- Bom Dia guri!

Pelo jeito de falar, noto que sabem um da história do outro. Há intimidade.

- Mas o que tu faz aqui menino? Não tinha que estar no CAPS?

- Sim. Tô baixado. Mas saí cedo sem café.

- O que houve?

- Não tenho cigarro. Tu sabe que não consigo ficar sem fumar.

De imediato ela, que até a pouco fumava, pega a carteira, alcança um cigarro. Providencia isqueiro. E começa soltar fumaça para meu azar, parece feliz. Conversam amenidades. Ela pergunta:

- Mas como vais passar a semana?

- Pois é! Não tenho um centavo.

- Deixa eu ver.

Procura na bolsa. Acha algumas moedas e lhe alcança. A solidariedade quase me comove.
- Ainda falta R$ 1,05, diz ela.

Olham para mim como que a mendigar algumas moedas. Fico quieto, só olhando. A outra mulher da fila depois de mim, se prontifica:

- Olha aqui. Tenho um real.

- Está bem! 5 centavos eu choro na hora de comprar um maço do mais barato. Nessa hora não aparece ninguém do Paraguai.

- E o tênis meu filho? Tá feio este teu calçado.

- Pois é, vou ter que conseguir outro.

O rapaz segue seu caminho feliz, fumando, deixando cheiro no ar. Decerto vai ao tal do CAPS, que eu não sei onde fica. Meio constrangido tento me justificar para a primeira da fila.

- Tenho por princípio não dar dinheiro para droga. Cigarro prá mim é droga.

- Pois é. Mas o menino é doente. Ele precisa. Fica muito nervoso. Treme todo.

- Eu quando vou no mercado, compro um litro de leite a mais e na sinaleira, se alguém me pede dinheiro, alcanço o leite.

- Seria bom não fumar. Mas é difícil. Eu não consigo. Cigarro me acalma.
Ela vai contando para quem quer ouvir.

- Eu venho todo mês na consulta. É tua primeira vez?

- É!
- Pois vai demorar uns 40 minutos. No retorno é rápido. 10 a 15 minutos. O doutor tem cara de louco. Mas é um homem bom, de idade, sabe ouvir. Eu tô no retorno faz tempo.

Nisso passa um conhecido meu na calçada indo pro trabalho. Me recomhece.

- O quê tu faz aí?

- Pois é. Tôu esperando o médico. (Juro, por Deus, me deu vontade de dizer: - Guardando lugar prá ti na fila dos malucos!).

A segunda da fila agora se mostra a mais falante:

- Já tenho 13 tentativas!

- Tentativas? Pergunta a outra.

- Sim! De suicídio. Estou encostada. Recebo um salário do governo e vivo com isso.

- Eu também- falou a outra, - ganho um salário do SUS e me viro.

- Quero deixar de fumar, mas da última vez o médico me falou, agora não. Sem cigarro tu enlouquece de vez.

- O vício é brabo. O corpo sente falta da nicotina.

- Pois é. Além disso eu não quero engordar. (Põe as mãos na cintura e gira exibindo os quadris). Ainda se acha!

O tempo passa, agora são 8 horas. Chega a secretária, abre a porta. Subimos a escada e ficamos aguardando na sala de espera com ar condicionado. Quando chega o médico vão chamando um a um os pacientes.

Controlo o tempo. Batata! Quinze minutos por re-consulta, aquela do retorno.

Chega minha vez. A atendente me chama, já vi onde é o consultório. A porta está aberta. Entro. O médico me espera sentado atrás da mesa. Pede que feche a porta.

- Sente! O quê houve contigo?

- Pois é doutor. Dizem que estou nervoso. Mas eu não sou louco. Estou bem.

- Todos que entram por aquela porta (apontando com o dedo) para consultar comigo, é porque tem algum problema. Mas de uma ou outra forma chegam vivos até aqui. És um cara de
sorte. Estás vivo!

- Pois é. É verdade doutor. Estou aqui e ainda vivo.

            Três Passos 12 de novembro de 2019.
JORGE LUIZ BLEDOW
  E-mail  bledow@cpovo.net



7 comentários:

  1. Bom Dia, parente.
    Esta crônica é bastante reflexiva. Mas literalmente, acho que você viu muito pouco o que acontece nas filas do SUS por esse Brasil afora. 1 abraço

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  2. Tens razão. Não quis esgotar o assunto, nem pegar o mais pesado. Quis escrever sob um ângulo específico.

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  3. O que é a loucura! O que é estar saudável? Depende do ponto de vista.
    Adorei vizinho Bledow.

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  4. Colaboro com o SUS da Calabria, aulas de yoga, fico impressionada com a dedicação dos funcionários e de como a população é grata e reconhece o bom trabalho. Tem que ir melhorando, claro. Mas lembro que quando no tinha o sus,lá em SM ainda, eram os indigentes,atendidos por caridade e não por direito. Parabéns pelo texto!!!

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