São 7 horas de uma
terça-feira. Estou aqui na fila do SUS já faz algum tempo. Cheguei cedinho.
Havia algumas pessoas. Sou o quarto da fila.
Chega alguém com jeito
de pedinte. Logo vejo que conhece a primeira da fila:
- Bom Dia guria!
- Bom Dia guri!
Pelo jeito de falar,
noto que sabem um da história do outro. Há intimidade.
- Mas o que tu faz aqui
menino? Não tinha que estar no CAPS?
- Sim. Tô baixado. Mas saí
cedo sem café.
- O que houve?
- Não tenho cigarro. Tu
sabe que não consigo ficar sem fumar.
De imediato ela, que
até a pouco fumava, pega a carteira, alcança um cigarro. Providencia isqueiro.
E começa soltar fumaça para meu azar, parece feliz. Conversam amenidades. Ela pergunta:
- Mas como vais passar
a semana?
- Pois é! Não tenho um
centavo.
- Deixa eu ver.
Procura na bolsa. Acha
algumas moedas e lhe alcança. A solidariedade quase me comove.
- Ainda falta R$ 1,05,
diz ela.
Olham para mim como que
a mendigar algumas moedas. Fico quieto, só olhando. A outra mulher da fila depois
de mim, se prontifica:
- Olha aqui. Tenho um
real.
- Está bem! 5 centavos
eu choro na hora de comprar um maço do mais barato. Nessa hora não aparece
ninguém do Paraguai.
- E o tênis meu filho?
Tá feio este teu calçado.
- Pois é, vou ter que
conseguir outro.
O rapaz segue seu
caminho feliz, fumando, deixando cheiro no ar. Decerto vai ao tal do CAPS, que
eu não sei onde fica. Meio constrangido tento me justificar para a primeira da
fila.
- Tenho por princípio
não dar dinheiro para droga. Cigarro prá mim é droga.
- Pois é. Mas o menino
é doente. Ele precisa. Fica muito nervoso. Treme todo.
- Eu quando vou no
mercado, compro um litro de leite a mais e na sinaleira, se alguém me pede dinheiro,
alcanço o leite.
- Seria bom não fumar.
Mas é difícil. Eu não consigo. Cigarro me acalma.
Ela vai contando para
quem quer ouvir.
- Eu venho todo mês na
consulta. É tua primeira vez?
- É!
- Pois vai demorar uns
40 minutos. No retorno é rápido. 10 a 15 minutos. O doutor tem cara de louco.
Mas é um homem bom, de idade, sabe ouvir. Eu tô no retorno faz tempo.
Nisso passa um conhecido
meu na calçada indo pro trabalho. Me recomhece.
- O quê tu faz aí?
- Pois é. Tôu esperando
o médico. (Juro, por Deus, me deu vontade de dizer: - Guardando lugar prá ti na
fila dos malucos!).
A segunda da fila agora
se mostra a mais falante:
- Já tenho 13 tentativas!
- Tentativas? Pergunta
a outra.
- Sim! De suicídio.
Estou encostada. Recebo um salário do governo e vivo com isso.
- Eu também- falou a
outra, - ganho um salário do SUS e me viro.
- Quero deixar de fumar,
mas da última vez o médico me falou, agora não. Sem cigarro tu enlouquece de
vez.
- O vício é brabo. O
corpo sente falta da nicotina.
- Pois é. Além disso eu
não quero engordar. (Põe as mãos na cintura e gira exibindo os quadris). Ainda
se acha!
O tempo passa, agora
são 8 horas. Chega a secretária, abre a porta. Subimos a escada e ficamos
aguardando na sala de espera com ar condicionado. Quando chega o médico vão chamando
um a um os pacientes.
Controlo o tempo.
Batata! Quinze minutos por re-consulta, aquela do retorno.
Chega minha vez. A
atendente me chama, já vi onde é o consultório. A porta está aberta. Entro. O
médico me espera sentado atrás da mesa. Pede que feche a porta.
- Sente! O quê houve
contigo?
- Pois é doutor. Dizem
que estou nervoso. Mas eu não sou louco. Estou bem.
- Todos que entram por aquela
porta (apontando com o dedo) para consultar comigo, é porque tem algum
problema. Mas de uma ou outra forma chegam vivos até aqui. És um cara de
sorte. Estás vivo!
- Pois é. É verdade
doutor. Estou aqui e ainda vivo.
Três
Passos 12 de novembro de 2019.
JORGE LUIZ BLEDOW
E-mail bledow@cpovo.net
Bom Dia, parente.
ResponderExcluirEsta crônica é bastante reflexiva. Mas literalmente, acho que você viu muito pouco o que acontece nas filas do SUS por esse Brasil afora. 1 abraço
Tens razão. Não quis esgotar o assunto, nem pegar o mais pesado. Quis escrever sob um ângulo específico.
ResponderExcluirGostei de ler. parabéns!
ResponderExcluirO que é a loucura! O que é estar saudável? Depende do ponto de vista.
ResponderExcluirAdorei vizinho Bledow.
Obrigado!
ResponderExcluirColaboro com o SUS da Calabria, aulas de yoga, fico impressionada com a dedicação dos funcionários e de como a população é grata e reconhece o bom trabalho. Tem que ir melhorando, claro. Mas lembro que quando no tinha o sus,lá em SM ainda, eram os indigentes,atendidos por caridade e não por direito. Parabéns pelo texto!!!
ResponderExcluirQUe legal, Malu
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