Janeiro de 1975, uma segunda-feira. Lembro-me
bem. Pela manhã, eu, meu pai, meu irmão, arrancamos feijão na roça nova, deixamos secando ao sol e depois do almoço, dê-lhe manguá, batemos o
feijão na eira.
Pelo fim da tarde arrumei
minha mala, a mãe me fez um pão com melado e linguiça – na cidade não tem disso, vais sentir falta –
tomei banho, peguei o ônibus e fui para vila de Padre Gonzales cheio de
expectativas. Era a primeira vez que eu iria viajar para longe.
Acontece que, a nossa
turma, do colégio Rio Branco, havia se formado na 8ª série. Durante o ano de
1974 fizemos promoções, rifas, vendemos lanche na hora do recreio e fizemos 3
bailes, com o Grupo Musical, que deram um bom lucro. Assim pagamos seis mil
cruzeiros (esta era a moeda), fretando um ônibus para excursão.
Saímos na madrugada da
terça-feira e já de cara ficamos impressionados com o tanto de bagagem que
levaríamos. Muitos pais vieram com carroças de tanta mala que tinha para levar.
È que fora combinado que cada um levaria no mínimo uns 300 cruzeiros (eu levei só
150), para as despesas do dia a dia e para baratear levaríamos comida: frango com
farofa, linguiça, pão, bolachas, arroz, macarrão e coisas assim. Eu, por
sugestão da mãe, catei um meio saquinho de sal com espigas de milho verde.
Haviam nos informado de que até água deveríamos comprar na viagem, assim,
prevenidos levamos uns garrafões de água do poço que poderiam ser reabastecidos
e que, como vamos ver, foram de grande utilidade na volta.
Tínhamos um roteiro traçado.
Pela estrada de terra vermelha passamos por Palmeira das Missões e chegamos em
Sarandi no asfalto. Que beleza achamos a estrada asfaltada que até então não
conhecíamos. Nosso medo era com o motorista – e se ele dorme dirigindo sem
solavancos?
A turma da 8ª séria era
bem numerosa, mas, nem todos viajaram. Íamos em 16 alunos, a maioria gurias,
todos na faixa de 15 a 17 anos. Um professor com a noiva, o motorista, sua
mulher e duas crianças. De tal forma que havia espaço sobrando nas poltronas.
Pela faixa lisa do
asfalto passamos ao largo de Carazinho e chegamos em Passo Fundo. - Êta cidade
grande! Mais tarde almoçamos, galinha com farofa, na beira da BR 285 perto de
Lagoa Vermelha. Passamos Vacaria e atravessamos a ponte do Rio pelotas entrando
em Santa Catarina. A noite foi no ônibus, é claro, em Pouso Redondo, perto de
Lages.
Na manhã seguinte
continuamos, curiosos observando tudo. Passamos por vários locais interessantes
e perto do meio-dia chegamos a Blumenau. Que cidade linda. Parecia que
estávamos dentro de um cartão postal, coisa da moda na época. As casas, os
prédios, as ruas, tudo lindo. Avistamos no alto de uma colina um restaurante. “RESTAURANTE
ÁNTARTICA”, se bem me lembro anunciava o letreiro. Decepção. De bermudas,
camiseta regata (de física) e chinelos não nos deixaram ingressar no recinto.
Almoçamos ali mesmo no estacionamento: As sobras de frango com farofa.
Descendo a serra,
seguimos ansiosos para conhecer o mar. O professor havia instalado uma caixinha
de som e um microfone, para dar os avisos e também se alguém quisesse cantar.
Entramos no clima e
atacamos de Maria Izabel cantada pelo conjunto Os Carbonos que faziam sucesso
na época, porém na versão trespassense:
“Pegue a escova e o
sabão
Vamos pro Erval Novo tirá o cascão.
Tirimirimí, pompom, pom-
pom!”
Chegamos à praia. Digo
a Camboriú! Cara nós não conhecíamos praia. A maioria colonos sem nunca ter
viajado. Em 1975 Balneário Camboriú já era famosa. Frequentada por gente da
terra, gaúchos, paulista, paranaenses e muitos castelhanos, nem de longe era a
cidade que é hoje. O mar verde azulado. A areia limpa. As ondas suaves. A água
morna.
Durante uma semana
instalamos nosso ônibus-trailer num camping e aproveitamos a boa vida. Imaginem.
Saí da colheita do feijão para o veraneio. E tem mais, aproveitei. Comia bem.
Descobri logo uma padaria e, entre vários experimentos nos primeiros dias,
optei por pão massinha com mortadela. Me fartei de comer pão de padaria. Tomava
café, almoçava, lanchava e jantava; pão massinha com mortadela. Com uma vantagem
– era bem barato. Me sobrou dinheiro.
O camping perto da
praia tinha água encanada e chuveiros. O problema era o banheiro: um feminino e
um masculino. As pessoas acampadas faziam fila desde cedo até altas horas na
noite. Dormir no ônibus acostumamos. O problema que as gurias queriam trocar de
roupa, passar vinagre com azeite, suco de limão e cenoura na pele para se
bronzear. Nos expulsaram do ônibus e passamos a dormir no porta-malas. Tudo
bem, fugimos do cheiro do vinagre. – Nós é que se livramos do chulé, diziam as
meninas. Detalhe, todos os rapazes usavam kichute.
Depois de uma semana
seguimos viagem para o sul pelo litoral. Eu, prevenido, antes passei na padaria
e pedi – meia dúzia de pão massinha e duzentos gramas (tentava praticar o
português correto que professora Pinto ensinava), de mortadela.
Passamos por
Florianópolis onde conhecemos a ponte Hercílio Luz. Aproveitando a viagem na
estrada asfaltada e próximo ao mar, me aventurava ao microfone e cometia:
“Sentado na praia deserta
eu triste ouvia as
ondas do mar!
Eu chorava de saudades
dela
Que partiu prá longe
para não voltar!”...
Para quem não se lembra
ou não conhece é uma música da dupla sertaneja Léo Canhoto e Robertinho ”a Praia”.
Tudo a ver não é? Pena que canto mal.
Passamos por Tubarão, Criciúma
e finalmente cruzamos o Mampituba. Ufa! Estávamos de volta ao solo riograndense.
Entramos em Torres para dormir, mas não gostamos. – Imagina. Camboriú é muito
mais bonito!
No dia seguinte chegamos
em Capão da Canoa, cidade da qual muito ouvíamos falar. Tramandaí foi a
próxima. Seriam os dois últimos dias de praia, sendo assim, as gurias
exageraram no banho de sol, as alemoas tentando se bronzear viraram pimentão
maduro. Tivemos que ficar mais uns dias pois algumas mulheres tiveram
queimaduras e baixaram hospital em Osório. Imaginem, vinagre com limão e
cenoura, folhas de figo na pele, fez mal. Ficamos, no nosso ônibus,
estacionados na Parque Marechal Osório enquanto alguns se recuperavam da
insolação.
Em Tramandaí
aproveitamos para encher os garrafões, vejam a utilidades, com água do mar, por
duas razões. A primeira era para provar aos nossos pais que o mar era salgado. A
segunda é que as gurias acreditavam que o bronzeamento era devido a água do mar
salgada e com aquela cor de chocolatão, combinado com o sol. Não acho estranho.
Muita gente trás água do Santuário de Lourdes da França, das fontes do Vaticano
e até do Rio Jordão. Por que não trazer do Oceano Atlântico? Poderíamos até ter
embalado nuns frasquinhos de vidro e vendido por um bom preço, não acham? Pena
que não pensei nisso na época.
Finalmente tudo pronto
para seguir viagem numa segunda-feira. – Hoje não, falou o motorista. Imaginem o
movimento na Avenida Farrapos numa segunda-feira? E nós cada vez mais curiosos
para conhecer Porto Alegre, o movimento, as avenidas, os edifícios com
elevadores, viadutos, o túnel, sinaleiras e tudo mais.
Terça-feira rumamos
para a capital do estado. Visitamos o Morro Santa Teresa, o Beira Rio, o
Olímpico, a Praça da Matríz e dormimos, no ônibus, na rua Hofmann, uma travessa
entre a Farrapos e a Voluntários, ali perto da Estação Rodoviária. Não gostamos
de Porto Alegre. Muita poluição, barulho, movimento. Também, hoje conheço, vejo
que paramos na região mais feia de toda cidade. Nem sequer visitamos os parques.
Não andamos na rua da Praia.
Uma visita ao Zoológico
de Sapucaia do Sul fez parte do programa, donde seguimos para Gramado e Canela.
Cidades lindas, turísticas. Na BR 116 indo para Caxias do Sul, resolvemos fazer
almoço na beira da estrada. Eu fiquei encarregado de coletar gravetos para o
fogo. Tentamos cozinhar rápido um arroz com linguiça. Não deu tempo. Uma chuva
de verão fez com que corrêssemos pro ônibus. Comemos arroz duro naquele dia.
Mas tudo bem, foi quando resolvi verificar o milho verde que levei para comer. Tudo
murcho. Tive que jogar no mato.
Em Bento Gonçalves
visitamos a vinícola, onde experimentamos vinhos e sucos de graça, coisa de
estalar a língua. Continuando atravessamos a ponte, aquela do arco superior, no
Rio das Antas, onde pernoitamos já no município de Veranópolis.
E assim seguimos por
Marau até Passo Fundo, depois para Ijui onde, rapidamente, visitamos a Fonte
Ijui em Chorão. Chegamos em Três Passos ao anoitecer e para não perder a
ocasião soltamos uns 2 ou 3 foguetes, anunciando a nossa chegada triunfal.
Aprendemos muito durante
a viagem. Viver em grupo, conhecer novos lugares, outras pessoas. Conhecemos o
mar, o asfalto, não andei de elevador. Comi muito pão de padaria.
Descobrimos que algumas
coisas mudam de nome assim que se atravessa o Rio Pelotas ou o Mampituba. Torrada,
vira misto-quente. Batida, vitamina. Pão d’água em Três Passos é pão francês no
resto do Brasil, menos em Porto Alegre onde é cacetinho.
Eu, particularmente
aprendi que “não é só de pão massinha, com mortadela, que vive o homem.”
Cheguei em casa com um
garrafão de água do mar e muitas novidades para contar para minha mãe, que me
recebeu com uma fatia de pão de milho com melado!
Coisa boa. Eu já estava
com saudades.
Porto Alegre, 22 de
junho de 2019.
JORGE LUIZ BLEDOW
E-mail bledow@cpovo.net
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