sexta-feira, 10 de abril de 2020

ESPERANDO O CORONA


10 de abril de 2020. Sexta-feira Santa. Tudo parado. Calmo. É mesmo uma Sexta-feira da Paixão como muitas vezes ouvi, quando criança, minha mãe, minha vó, diziam que já não era como antigamente.

-Hoje não se respeita mais a morte de Jesus Cristo. Todo mundo correndo, trabalhando, falando alto. Dizendo palavrão.

- Que pecado. Esse mundo está perdido.

Ouvi por demais isso. Minha vó não está viva para ver e sentir. Minha mãe está no isolamento, assim como nós. Toda vez que ligo para ela, quase todo dia, ele pergunta:

- Quando vocês vem?

Explico que estamos no foco, aqui na capital, pode ser perigoso a gente levar, está mais disseminado que no interior onde está mamãe. Há 500 quilômetros daqui.

- Ah! Tá! Ela responde não muito convicta. Talvez ache que seja uma desculpa para não visita-la. Ela imagina que o vírus vem pelo vento. Não fica de janelas aberta. Tem medo de que os pássaros carreguem a peste. Daí a gente explica:

- O vírus viaja com às pessoas. Veio de avião da China. Da Itália. Desceu nos aeroportos das grandes cidades. Pegou os mais ricos primeiro. Agora está chegado nos bairros mais pobres.

- Ah! Tá! Ela responde. Mas sinto que minha explicação não convenceu.


- Te cuida mãe! O Corona vai chegar aí também. Pode demorar um pouco, mas chega.

Os habitantes do interior, de cidades menores, parecem não acreditar. Acham que estamos exagerando e que nunca serão atingidos.

- Ih! Isso não vai chegar aqui. Eu já tomei bálsamo alemão com chá de alho. Tô bem protegida. Nem a gripe, nem o vírus me pega.

- Mãe, se fosse tão fácil já estaria controlado. Por enquanto não tem vacina. Te cuida.
- Me cuido. Tomo banho todo dia.

Nós aqui, com internet, com jornais, informações à disposição, na verdade estamos cada vez mais confusos. Bem no início da pandemia, aliás, nem havia sido declarado pandemia ainda pela OMS, cheguei a trocar uma ideia com um vizinho.

- Dizem que muita gente vai pegar. E que o grande problema vai ser a falta de leitos e respiradores. Pois então. Não seria estratégico pegar logo e ficar imune?

- Pois é! Vá saber. Já estamos na idade do grupo de risco e pode ser letal.

Até agora não temos vacina, remédio eficaz. A estratégia do isolamento social, pelo jeito, está funcionando, em todo caso muita gente vai ser afetada, então estamos só retardando. È loucura. É terrível!

Diferente do Godot, esse vírus vai chegar. Eu estou em quarentena e vou tentar retardar o máximo. Vai que descobrem algo diferente.

Título da crônica inspirada em: Esperando Godot marca o início da publicação da obra de Samuel Beckett pela Companhia das Letras. Expoente do Teatro do Absurdo, escrita em 1949 e levada aos palcos pela primeira vez em 1953, Esperando Godot é uma tragicomédia em dois atos que segue desafiando público e crítica. Na trama, duas figuras clownescas, Vladimir e Estragon, esperam por um sujeito que talvez se chame Godot. Sua chegada, que parece iminente, é constantemente adiada. Em um cenário esquálido ― uma estrada onde se vê uma árvore e uma pedra ―, Beckett revoluciona a narrativa e o teatro do século XX.

            Porto Alegre, 10 de abril de 2020.
JORGE LUIZ BLEDOW –  E-mail  bledow@cpovo.net

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