Saí da de Três Passos em janeiro de 1977. Direto
da roça para o quartel, que, mesmo não sendo um lugar representativo da
sociedade urbana por completo, é um ambiente muito diferente e mais misturado
culturalmente, digo no sentido universal, do que uma comunidade rural.
Eu
tinha 18 anos e 8ª série concluída, o que, lá no interior, me colocava num
círculo de cultura formal acima da média. Digo formal, pois a cultura informal,
aquela que se aprende fora da escola, em casa, com os amigos, na igreja, nas
brincadeiras, na pelada, talvez seja mais rica e importante do que frequentar
bancos escolares, como pude constatar ao longo desses anos.
Não
tive muitas dificuldades em me relacionar no novo ambiente. Fiz muitas e
diferentes amizades, e, o mais importante, mantive os amigos de sempre, de
antes. As demandas, as conversas, é que mudavam, variadas, dependendo do grupo,
e isso, talvez, me fez ver o mundo múltiplo, universal. Abriu-me a mente,
ampliou meus horizontes, minhas perspectivas, certezas e dúvidas, penso eu,
para o bem e para o mal.
Quando
voltava a minha terra, a conversa era com os mais idosos. Amigos do meu pai, da
minha mãe, gente com 50, 60 e até mais de 70 anos. Eles tinham curiosidades
sobre o mundo que, eles achavam, eu agora conhecia. Lembro de um senhor que
largava o jogo de canastra só para “papear“ comigo e, assim, eu além de fazer
um exercício de narrativa e, por outro lado, ouvindo fazia um regaste dos
sonhos não realizados pelos interlocutores mais velhos.
E não
eram só homens. Lembro de uma vez, quando as vizinhas de minha mãe, algumas já
avós, ficaram curiosas e de cabelo em pé, quando expliquei-lhes o processo de
ovulação feminina, período de fertilidade, o óvulo, o espermatozóide, a
fecundação, toda teoria, e que elas, pelas caras, não sabiam. Toda uma vida
parindo filhos, sem ter noção sequer de “tabelinha” e coisas básicas.
Por
sua vez, com os amigos de minha idade, que ficaram na roça, não havia grandes
conversas. Eles se preocupavam mais com bailes e jogos de bola, alguns casados,
se casa cedo no interior, com os filhos e os afazeres diários. Esses assuntos
para mim não eram interessantes, sem grandes novidades, sem visão do mundo. Ou
seja: cotidianos demais.
Hoje
volto a minha terra, mais de 40 anos se passaram, meu pai é falecido, a maioria
de seus amigos também. Já não tenho mais esse público interessado em assuntos
de fora. Meus amigos estão na casa dos sessenta e continuam preocupados com os
assuntos caseiros. Não que não sejam importantes, mas acontecem na vida de
todos e não são novidades.
Sendo
assim, por incrível que pareça, há uma gurizada, na casa dos 20 anos,
interessadíssimos, curiosos e ávidos por assuntos de fora. É com esses que
geralmente confabulo. Eles perguntam, questionam o mundo. Querem respostas
sobre a vida. O que está acontecendo, o que vai acontecer?
E,
sinceramente, eu respondo:
- Eu
também não sei!
Talvez
os mais jovens que vão para o mundo e voltam com novidades, saibam responder.
Porto Alegre, 13 de
junho de 2020
Jorge Luiz Bledow
Email: bledow@cpovo.net
Que texto maravilhoso, Jorge. Me enxerguei nele. Bem assim, mesmo. E a questão continua sem resposta. Como saber o que vai acontecer? Imprevisível...
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