sábado, 21 de março de 2020

A BARATA KAMIKASI


Histórias de baratas todo mundo tem para contar. Neste verão, especialmente quente, às nojentas estão saindo do armário e dando a cara à tapa. Dia desses após, eu e meu filho mais novo, assistirmos um jogo da seleção de futebol sub-23, sem graça, jogando mal contra a Colômbia, já dávamos a noite como encerrada e nos preparávamos para dormir, foi quando um baratão ousado, subiu pela parede andando em direção a cozinha.

Meu filho pegou o chinelo, melhor arma para este caso, e saiu no encalço. O bicho parecia descer para pia, onde poderia ser alcançado num golpe preciso e mortal. Não é que a espertalhona intrusa, parece que percebeu a intenção do chinelo alçado e voltou protegendo-se no alto junto ao rebaixo de gesso. Ah, lancei mão de uma vassoura e, com as piaçavas modernas de plástico, contive-a contra o degrau. Eu do lado de fora e do outro lado do balcão, na cozinha, meu filho com o chinelo pronto para abater a odiada intrusa.

- Te prepara aí, gritei. – Vou varrer e jogar no tapete.

Eu falava assim mesmo, meio gramatical rebuscado, vai que um ser desses entende o português chulo, já prevendo a morte da bicha, e antevendo nosso heroísmo telúrico destruindo e eliminando mais um exemplar do animal, que segundo certas publicações científicas, talvez nem tão abalizadas, sobreviveria a uma hecatombe nuclear (consegui escrever esta palavra horrível: hecatombe).

Pois bem. – Prepara-te aí!

Manejei a vassoura, e olha que nisso eu sou bom e tenho muito treino, e a barata não caiu no meio da cozinha. Em plena queda ela alçou voo e sumiu do meu radar parecendo um avião japonês “zero”. - Puxa vida. Tudo planejadinho, e mesmo assim, deu errado!

Meu filho veio correndo e gritando, caçada de barata sempre tem gritinhos, - está ali, olha!

Foi quando senti as antenas coçando meu tornozelo. Não é que a corajosa subia pela minha canela tantas vezes agredida no futebol, ou seja, canela calejada e tosca, que no entanto, às carícias da barata provocava riso. Devo ter, com certeza, soltado algum grito másculo, diga-se de passagem, para não deixar dúvidas.

Nisso a minha mulher ouvindo os ruídos do combate aéreo e terrestre, apareceu na sala, e, com isso aumentaram em potência os sinais sonoros do confronto. Com a vassoura ainda em punho, varri a barata para o tapete, sobre o qual estava eu estacionado, e coloquei meu pé, devidamente calçado com havaianas, sobre ela, meio de suave para não a esmagar. Falei para meu filho: - Eu tiro o pé e tu bate nela.

Assim que levantei meu pisante notamos que ela estava muito viva pois imediatamente tentou fugir. Minha esposa torcendo, só faltava a charanga para completar a algazarra, e meu filho, treinado, corajoso, num golpe certeiro de chinelo, sem chances, esborrachou a bandida no piso!

E nada mais tendo a declarar, apenas certifico, que de fato se deu a morte morrida dessa barata kamikaze!

            Porto Alegre, 07 de fevereiro de 2020.

JORGE LUIZ BLEDOW –  E-mail  bledow@cpovo.net

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