De repente o assunto cai na minha
frente. Se é conto ou crônica eu não sei. Eu sei que a história surge e me dá
uma vontade de escrever. Mentalmente fico burilando a forma de contar, que vai
mudando, na minha cabeça, conforme o dia, a hora, o clima. Tem mais, quem
escreve ficção sabe, que, em geral, o mais importante não é a história em si, o
conteúdo. É a forma, ou seja: o jeito como se escreve, a apresentação do que se
quer contar.
Dizer logo tudo de uma forma
direta, ou de forma indireta. Esconder ou induzir ações dos personagens. Ordenar
linearmente numa linha do tempo, ou incluindo feedbacks. Relatar a história
narrando o que acontece, ou então colocar falas dos personagens, tipo novela de
televisão, e assim a trama vai se desenvolvendo e sendo entendida aos poucos
por aquilo que se depreende.
Bem, isso é a essência do
escrever, do escrever bem. Primeiro dominar a linguagem formal, o português.
Depois escolher a forma de contar e ter fluência. Aliás, fluência qualquer
texto bom deve ter, caso não tenha, e não “agarra” o leitor, este abandona a
leitura no início. Isso é tudo que um contador de histórias não quer. Há outros
elementos, é claro, estilo, figuras de linguagem, tensão. Tensão sim é muito
importante em textos em que o autor quer fazer suspense. Ele vai tangenciando,
aumentando a pressão, sem, contudo, passar do ponto e quebrar o cristal, ou
frustrar a expectativa.
Temos ainda, entre outras, o
“entrelinhas”, ou seja aquilo que o leitor entende mas não foi dito explicitamente
no texto. Isso pode ser pelo menos de duas formas. A primeira é aquela em que o
escritor leva o leitor a concluir de uma forma esperada, induzida. A segunda é
uma conclusão aberta, ou seja, o autor não sabe e não quer induzir o leitor.
Ele escreve e deixa brancos, conclusões que o próprio ouvinte preenche. Eu,
particularmente acho esta a forma mais bonita de literatura. O texto, para mim,
torna-se atraente e eu, como leitor, participo.
Pois é, pensando em tudo
isso e mais, muito mais, aparecem as histórias que se transformam em texto e,
onde, o “x” da questão é a forma de contar. Não pensem que é só o escritor que
faz isso. Qualquer pessoa, em qualquer relato, assume uma forma de apresentar.
Relatar como aconteceu, sem explicação ou relatar explicando.
Fiz toda essa introdução, o
nariz de cera, para contar um pequeno fato que aconteceu comigo, e, mesmo se
compliquei até aqui, resolvi contar o “causo” direto, linear e curto. Depois
vou avaliar o efeito, se foi ou não o desejado.
Moramos num condomínio
horizontal, onde as casas entre si estão a 20 metros. Eu me imagino que sou
visto como um vizinho que não se relaciona muito. Não me dou mal, eu acho, mas
não sou de visitar os outros corriqueiramente, não dou muita conversa no dia a
dia. Sou bem seco, falando apenas o necessário. - Bom Dia!, - Boa Tarde!
Como engenheiro o trabalho exige
concentração e dificilmente alguém me ve gastando o tempo zanzando em conversas
amenas na vizinhança. Falta tempo sempre.
Neste feriado dei aquela
sesteada básica, ou melhor, fiz uma sesta mais longa que o normal. Acordei e
abri uma parte da janela quando, no fundo do lote no jardim, avistei o nosso
cachorrinho, o Klanck, um bichón frizé, cheirando a cerca, fazendo uma ronda no
pátio.
Falei com ele: - Klanck, o
que tu estás fazendo aí? Vem prá dentro! Imediatamente o cachorrinho me obedeceu
e veio. Ainda bem, nem sempre consigo esse efeito assim de bate-pronto.
Me desloquei um pouco para o
lado em frente a janela, abri a outra folha e deparei com o casal de vizinhos
sentados no deck. Como fiquei quase de frente, meio que me assustei, acho que
eles também não esperavam e com certeza tinham ouvido minha conversa com o
Klanck. Nesse momento eu vi ele, surpreso, cochichar alguma coisa para ela.
Tenho certeza que disse: - Ele é humano. Fala com o cachorrinho!
Ao que ela apenas assentiu
com a cabeça.
E assim caminha a
humanidade!
Pode ser. E, às vezes, não pode. Esse tema de "vizinho", inda mais horizontal, é muito complicado. Hoje os tenho verticais. Não sei quantos, quem, nem como são. E não são humanos. Com certeza.
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