O dia começava cedo para quem trabalhava por diária: cinco e meia da manhã todos de pé. Antes das seis o café reforçado, pão de milho, melado, nata e lingüiça. Café com leite tirado na hora. Seis e meia pro eito.
Era uma turma grande. Eu, meu irmão, mais dois filhos do vizinho, uns quatro filhos do caboclo que morava um pouco mais longe e dois de casa do patrão. Estávamos, por assim dizer, na terceira fase da caça ao leiteiro ou café brabo, como alguns denominam.
Para quem não sabe o leiteiro é um inço, mato, que dá na roça, que solta um leite gosmento, quando se arranca um talo. Tem a folha muito parecida, na cor e na forma, com a soja, daí se o peão não tiver bem atento, pode confundir e deixar de arrancar. Nesta época passávamos de faixa em faixa, prá lá e prá cá, por toda lavoura, arrancando os pés grandes e colhendo às sementes quando havia, sendo que para isso, levava-se um bornal de aniagem a tiracolo para a coleta. Tomava-se o cuidado de arrancar os pés de leiteiro, sem quebrar, sacudir para não ficar torrão, colher a semente e, depois disso tudo, soltar o talo com as raízes para cima dificultando assim a chance de “pega” ou “rebrote” da erva daninha.
Na primeira fase do combate ao leiteiro, o granjeiro havia apostado e acreditado em pessoas mais experientes. – Este inço tem seu ciclo. Nasce, cresce e morre - diziam. Grande novidade! Até benzedores ele havia contratado e todos eram unânimes em reafirmar. - É igual à bicheira do gado - diziam – um dia morre.
Pois bem, bicheira cresce, depois de oito dias vira mosca varejeira, que sai voando depositando ovos que viram larvas, bicheiras, portanto, iniciando novamente o ciclo. Isso é fato. O que não se sabe quem morre antes. Há casos em que o animal resiste a um ciclo completo de sofrimento ou até vários ciclos. Com o leiteiro é a mesma coisa, nasce junto com a soja, cresce mais rápido, a planta minguando, o inço amadurece viçoso, espalha sementes, nasce cada vez mais denso, - como cabeleira na cabeça - cresce numa rapidez impressionante, isto é, sem chance para a cultura. Acontece ainda, algumas vezes, da soja amadurecer, e na hora da colheita as invasoras fazerem “buchas” nas colheitadeiras, visto que estão ainda verdes e rijas. Isso vale para toda uma gama de daninhas: leiteiro, picão preto, cipó de viola, papuã, amoroso, milhã, adeus-brasil.
Na segunda fase de combate ao inimigo inço, o granjeiro optou por uma novidade: herbicidas, que segundo alguns são invenção de algum preguiçoso – o cara não gostava de cabo de enxada, do guatambu. Neste tempo havia três tipos de mata-inços químicos, a saber: folha estreita, folha larga e mata-tudo. O mata-tudo, como diz o próprio nome, não podia ser usado neste caso, apenas em casos extremos quando se exterminava tudo para plantar só na safra seguinte. O granjeiro optou então pelo herbicida folha estreita.
A aplicação deu resultados, e que resultados! Papuã, milhã, picão preto, amoroso, graminha, tudo folha estreita, morreram. Sobrou mais espaço para inço folha larga, sendo o principal representante: o leiteiro, que fartou a tripa! Que praga, que situação. O invasor parecia estar rindo. Agora só competia com a soja, coitada! Imaginem a situação, sem folha estreita, o leiteiro tomou conta e a soja minguava mirradinha. Conclusão: O granjeiro ficou conhecido como Rei do Leiteiro!
A roça era grande, cada “verga” de ponta a ponta tinha uns quatrocentos metros de comprimento, e a principal lavoura uns trezentos de largura. Supondo que cada linha de soja é semeada a cada quarenta centímetros ou até menos, isso representa 400m x 750 fileiras, 300.000m, ou seja, 300 quilômetros! Imaginem agora ir e vir, envergar, capinar ou arrancar inço esta quilometragem toda! Ufa!
Não sobrou outra alternativa: herbicida mata-tudo! O granjeiro aplicou o veneno e não sobrou nada. Matou tudo. Folha estreita, folha larga. Está certo, não deu para semear soja nem nada. Foi um ano sem colheita. Mas o leiteiro levou um susto grande!
E assim agora estávamos completando a terceira fase. Caçando inços raros, exemplares isolados de leiteiro que teimavam em surgir fortes e viçosos. Caminhando prá lá e prá, vasculhando 2 fileiras de cada vez, num grupo de 10 pessoas, repassamos 20 linhas na ida e 20 linhas na volta. Sobram, pela conta anterior, 15 quilômetros de caminhada para cada um, considerando que o mais difícil é dobrar a soja alta um pouquinho para o lado, descobrir invasoras, se agachar para arrancar o inço agarrando na base, tirar a semente e colocar no bornal e seguir adiante. Isso tudo das seis e meia às onze e meia, e das quatorze e trinta às sete horas da noite.
A cada ida e volta esvaziam-se os bornais e vai juntando montes de sementes que são amontoadas e queimadas a cada 2 dias.
Nos dias de hoje resolve-se tudo quimicamente. Aplica-se um secante na lavoura que mata tudo, semanas depois semeia-se a soja transgênica que ela, só ela, resiste ao herbicida visto que no seu DNA há uma alteração genética, produzida em laboratório, visando à resistência.
Nos dias de hoje, eu e meu irmão, não teríamos uns pílas extras de trabalhar por dia. O herbicida tirou emprego de muita gente. Já viram como estão as lavouras de soja? Não se vê um raminho de inço sequer. O que é o estudo, a química!
- Rei do Leiteiro, não – diz o granjeiro. – Rei da Soja!
Era uma turma grande. Eu, meu irmão, mais dois filhos do vizinho, uns quatro filhos do caboclo que morava um pouco mais longe e dois de casa do patrão. Estávamos, por assim dizer, na terceira fase da caça ao leiteiro ou café brabo, como alguns denominam.
Para quem não sabe o leiteiro é um inço, mato, que dá na roça, que solta um leite gosmento, quando se arranca um talo. Tem a folha muito parecida, na cor e na forma, com a soja, daí se o peão não tiver bem atento, pode confundir e deixar de arrancar. Nesta época passávamos de faixa em faixa, prá lá e prá cá, por toda lavoura, arrancando os pés grandes e colhendo às sementes quando havia, sendo que para isso, levava-se um bornal de aniagem a tiracolo para a coleta. Tomava-se o cuidado de arrancar os pés de leiteiro, sem quebrar, sacudir para não ficar torrão, colher a semente e, depois disso tudo, soltar o talo com as raízes para cima dificultando assim a chance de “pega” ou “rebrote” da erva daninha.
Na primeira fase do combate ao leiteiro, o granjeiro havia apostado e acreditado em pessoas mais experientes. – Este inço tem seu ciclo. Nasce, cresce e morre - diziam. Grande novidade! Até benzedores ele havia contratado e todos eram unânimes em reafirmar. - É igual à bicheira do gado - diziam – um dia morre.
Pois bem, bicheira cresce, depois de oito dias vira mosca varejeira, que sai voando depositando ovos que viram larvas, bicheiras, portanto, iniciando novamente o ciclo. Isso é fato. O que não se sabe quem morre antes. Há casos em que o animal resiste a um ciclo completo de sofrimento ou até vários ciclos. Com o leiteiro é a mesma coisa, nasce junto com a soja, cresce mais rápido, a planta minguando, o inço amadurece viçoso, espalha sementes, nasce cada vez mais denso, - como cabeleira na cabeça - cresce numa rapidez impressionante, isto é, sem chance para a cultura. Acontece ainda, algumas vezes, da soja amadurecer, e na hora da colheita as invasoras fazerem “buchas” nas colheitadeiras, visto que estão ainda verdes e rijas. Isso vale para toda uma gama de daninhas: leiteiro, picão preto, cipó de viola, papuã, amoroso, milhã, adeus-brasil.
Na segunda fase de combate ao inimigo inço, o granjeiro optou por uma novidade: herbicidas, que segundo alguns são invenção de algum preguiçoso – o cara não gostava de cabo de enxada, do guatambu. Neste tempo havia três tipos de mata-inços químicos, a saber: folha estreita, folha larga e mata-tudo. O mata-tudo, como diz o próprio nome, não podia ser usado neste caso, apenas em casos extremos quando se exterminava tudo para plantar só na safra seguinte. O granjeiro optou então pelo herbicida folha estreita.
A aplicação deu resultados, e que resultados! Papuã, milhã, picão preto, amoroso, graminha, tudo folha estreita, morreram. Sobrou mais espaço para inço folha larga, sendo o principal representante: o leiteiro, que fartou a tripa! Que praga, que situação. O invasor parecia estar rindo. Agora só competia com a soja, coitada! Imaginem a situação, sem folha estreita, o leiteiro tomou conta e a soja minguava mirradinha. Conclusão: O granjeiro ficou conhecido como Rei do Leiteiro!
A roça era grande, cada “verga” de ponta a ponta tinha uns quatrocentos metros de comprimento, e a principal lavoura uns trezentos de largura. Supondo que cada linha de soja é semeada a cada quarenta centímetros ou até menos, isso representa 400m x 750 fileiras, 300.000m, ou seja, 300 quilômetros! Imaginem agora ir e vir, envergar, capinar ou arrancar inço esta quilometragem toda! Ufa!
Não sobrou outra alternativa: herbicida mata-tudo! O granjeiro aplicou o veneno e não sobrou nada. Matou tudo. Folha estreita, folha larga. Está certo, não deu para semear soja nem nada. Foi um ano sem colheita. Mas o leiteiro levou um susto grande!
E assim agora estávamos completando a terceira fase. Caçando inços raros, exemplares isolados de leiteiro que teimavam em surgir fortes e viçosos. Caminhando prá lá e prá, vasculhando 2 fileiras de cada vez, num grupo de 10 pessoas, repassamos 20 linhas na ida e 20 linhas na volta. Sobram, pela conta anterior, 15 quilômetros de caminhada para cada um, considerando que o mais difícil é dobrar a soja alta um pouquinho para o lado, descobrir invasoras, se agachar para arrancar o inço agarrando na base, tirar a semente e colocar no bornal e seguir adiante. Isso tudo das seis e meia às onze e meia, e das quatorze e trinta às sete horas da noite.
A cada ida e volta esvaziam-se os bornais e vai juntando montes de sementes que são amontoadas e queimadas a cada 2 dias.
Nos dias de hoje resolve-se tudo quimicamente. Aplica-se um secante na lavoura que mata tudo, semanas depois semeia-se a soja transgênica que ela, só ela, resiste ao herbicida visto que no seu DNA há uma alteração genética, produzida em laboratório, visando à resistência.
Nos dias de hoje, eu e meu irmão, não teríamos uns pílas extras de trabalhar por dia. O herbicida tirou emprego de muita gente. Já viram como estão as lavouras de soja? Não se vê um raminho de inço sequer. O que é o estudo, a química!
- Rei do Leiteiro, não – diz o granjeiro. – Rei da Soja!
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