terça-feira, 1 de março de 2011

Viagem no tempo

Às quatro da tarde, mais ou menos, embarco no ônibus. È um velho FNM, de cores verde-amarelo, com letreiros gigantes: PULLMANN. A empresa é a Soberbo, que faz a linha Três Passos – Porto Soberbo na divisa com a Argentina. Tomo meu lugar na poltrona 36, bem no fundo. Saímos pela cidade “corcoveando” no calçamento irregular, parando nas esquinas e mais algumas paradas obrigatórias. Agora já estamos na estrada de chão onde a poeira é intensa, mas o “corcoveio” menor. A primeira parada importante, depois de sair da cidade, é Padre Gonzales, que fica a três quilômetros, onde um imenso banco de madeira e um telheiro fazem às vezes de rodoviária.

Saímos da vila, eu cochilo no sacolejo, sinto na vibração cada curva, cada buraco, cada pedra. Não me preocupo, pois um pouco antes de desembargar, daqui a dez quilômetros, sentirei uma pequena vertigem e um friozinho na barriga quando o coletivo subir a curta lombinha, serei acordado, ainda mais sentado na última fila onde a sensação e flutuar aumenta. A casa fica logo ali, não há como se perder: - Depois da lombinha há um bueiro com lama e poças d’água, mais a frente um engenho de moer cana à esquerda, à direita um coqueiro guardião solitário, ao lado um angico “galhudo”, um grande pinheiro verde escuro aristocrático, em frente a uma frondosa figueira copada, morada de periquitos e gorjeios, mais ao fundo um velho galpão cuja cobertura de “tabuinhas” tem a forma abaulada de um pagode chinês.

O ônibus pára, entrego a passagem ao motorista, desço. Os guaipecas me recebem latinho, fazendo festa e abanando o rabo, não cabendo em si de faceirice. Entre as frutíferas avisto a ponta cônica de um cipreste bem alto perto do galpão. Subo o “barranco”, sigo a trilha ladeado de “graminha preta” e camélias, uma branca e uma rosa, dou de cara com a escadinha da área da frente, desbordo pela direita da casa de madeira de tábuas amarelas com mata-juntas. Tropeço na pedra que há no trilho ao lado da cisterna. Entro na casa pelos fundos, a porta grande com vidraças range um lamento e na cozinha o fogão Venax à lenha domina o ambiente que cheira aconchego.

Saio ao pátio, duas pereiras carregadas se oferecendo, uma laranjeira “natal”, um limoeiro e mais a frente um caquizeiro onde pássaros fazem a festa e nem se importam comigo. Ao lado do pé de primavera o “poço de-cal”, para afastar qualquer peste do terreiro. Passo ao lado do galinheiro, que é totalmente decorativo, atrás deste, duas laranjeiras de umbigo local preferido do pouso dos galos, que assim cantam livres. Sigo em direção ao chiqueiro e vejo o panelão de lavagem fumegante. As galinhas me cercam implorando milho e os porcos, ruidosos, pedem comida, estão sempre com fome.

Pego o caminho da roça, atrás do chiqueiro a bananeira me chama gritando, do lado direito a cerca do potreiro, à esquerda o milho para pasto, outra laranjeira e o velho poço abandonado, destino de cacos: sentimentos e porcelanas da vida. Mais um pouco a frente à quina da cerca, onde um velho “capitão” de tarumã, incorporado à paisagem, parece cansado de cumprir sua função de mestre da cerca e está ladeado e torto. Os pés de chá, a bergamoteira, as pedras amontoadas ao longo do arame farpado onde cresce capim, esconderijo de cobras ligeiras. Quantos sustos!

Chegando à lavoura, à esquerda o chato plano na frente do mato, à direita o plano pedregoso, quanto leiteiro, milhã e picão preto para capinar entre os cascalhos inclementes e o sol causticante! Na quina do mato o cemitério de animais dominado por um ipê grande sobressaindo, cujos galhos são o pouso preferido dos urubus famintos. Mais embaixo a roça do “cerro”, o outro potreiro, o poço de água boa. Seguindo pelo “chato pedregoso”, as “canelas-de-veado” e o trilho entrando no mato lugar de armar arapucas, aprisionar liberdades, perto do banhado. Sobre as copas mais altas um coqueiro esbelto espia e, com a brisa insistente, dá-me um leve aceno, enquanto olho uma grápia gigante guarda destes fundões. Depois do mato a lavoura principal: - “a roça grande atrás do mato!

Voltando ao pátio saio pela frente e pego o “estradão”, cruzo “a estrada oca”, onde os barrancos são tão altos que dá ecos e sombras, chego ao armazém de secos e molhados onde anotam saudades na caderneta. Na frente o campo de futebol, a copa onde barras de gelo e serragem refrescam as sedes. A seguir a igrejinha, mais alguns metros, à esquerda, a escola rural bem na Esquina Progresso - de Sonhos! Esquina da Vida!

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