sexta-feira, 7 de maio de 2010

Presentes


Lembro-me nitidamente. Meu pai chegou da cidade, já de tardinha, e entregou-nos um pequeno embrulho. Um para mim e outro para meu irmão. Não sei se o mano ainda lembra daquela noite distante e do presente que ganhamos?

Era um caderno de desenho. Um bloco, com umas cinqüenta páginas, capa cor de vinho, folhas de desenho brancas, meio duras, tamanho ofício, cada uma com um papel manteiga sobrepondo. Na primeira página, local para o nome e algo mais e o restante em branco só esperando o nosso talento!

Olha! Foi o melhor presente que ganhei em toda minha vida. Melhor, talvez não, mas o mais marcante. Aquele cheiro de papel novo, a textura, o branco só esperando obras de arte. E o mais importante: ninguém na nossa escola, até então, tinha um caderno assim tão lindo. Se eu pudesse resgatar alguma coisa do passado, talvez...

Nem sei o que deu no meu pai. Homem rude, agricultor, estudou até a quinta série, é leitor de jornal e até lê alguns livros. Porém, normalmente, não gastaria um centavo sequer, com material escolar que não fosse estritamente o pedido pela professora. Ele nem tinha combinado nada com nossa mãe, que, até vá lá, poderia pensar numa frescura dessas. Normalmente papai compraria num presente útil ou necessário e não algo supérfluo, um mimo apenas para nos agradar, ou, quem sabe, satisfazer uma velha vontade.

Cada ocasião tem seu presente. Casamentos - presentes úteis. Quinze anos – uma jóia. Despedida – uma lembrança do local de trabalho ou cidade e assim por diante. Como eu, tenho certeza, é melhor dar do que receber presentes, se bem que receber também é muito bom, gosto do natal, de formaturas e aniversários. Aí sim. Dá se presentes inúteis. Aqueles que as pessoas normalmente não comprariam, não gastariam dinheiro nisso. Algo supérfluo, não útil no dia a dia, mas elegante, bonito, marcante, verdadeiramente uma lembrança para vida toda. Livros, prendedores de gravatas, canetas, quadros, pequenas coisas interessantes, estes são meus presentes preferidos. (Vinhos a gente bebe). Não são utensílios, são adereços subjetivos. Gosto de ver a cara de surpresa de quem recebe.

Voltando ao caderno de desenho, levei o meu para escola. Os colegas fizeram uma festa e admiraram. As meninas, cada uma por sua vez, levaram meu bloco para casa e fizeram lindos desenhos. Lembro-me da Clarice que estreou desenhando uma paisagem com coelhinhos, flores e borboletas. A Lori desenhou uma flor. A Arcelir uma rosa. A Elaide, a Vera, e outras também desenharam. Os meninos não. Achavam aquilo “coisa de gurias”. Uma frescura.

Eu, dono do lindo presente, também me inspirei lá pelo fim do caderno. Fui bem criativo e caprichei. Uma paisagem, com um sol nascendo atrás das montanhas, uma praia com coqueiros e uma jangada amarela nas ondas.

E dizer que esta obra de artes se perdeu!

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