sexta-feira, 7 de maio de 2010

Lembranças


Do lado da estrada. Perto da figueira centenária. Um pouco no alto estava velha casa caiada. Bem ali. Era real. Já não existe.

Bem viva na memória. Clara como as lembranças da infância. Bem no alto. Surge no meio da bruma, firme como a rocha. É feita de imagens. Continua existindo.

O que era físico desapareceu.

A casa imaginária está cada vez mais forte.

A velha casa de madeira não foi a dos meus sonhos. Mas foi o lar da minha infância e adolescência. Modesta e frágil, mas aconchegante.

Não era grande, mas nela cabia toda a nossa felicidade. Nossas frustrações, dúvidas e certezas.

Ouvi falar sobre "alma de galpão". A nossa velha casa também passava algo de transcendente. Tinha personalidade e virtudes próprias. E mais: era habitada por velhos e conhecidos fantasmas.

Quando a atmosfera pesava, indicando a virada do tempo, ela soltava estalos esquisitos na estrutura da madeira: prenúncio de temporais! Pesadelos psicológicos. Sofrimentos de fato.

Era preciso conhecê-la a fundo para ouvir suas queixas. Sensitividade a flor da pele para interagir. Perceber seus avisos. Entender seus humores. Só com o tempo se aprende manias tão familiares.

Falar às paredes? Ah não! Ela sabia ouvir!

Cada ranger de porta. Cada goteira. E como haviam goteiras. Surgiam e desapareciam sem lógica em lugares diferentes. Sinais?

A primeira iluminação com lamparina a querosene. Mais tarde a luz elétrica melhorou nossa vida, no entanto espantou alguns fantasminhas.

Na velha casa das minhas lembranças, nasceu e cresceu toda a família, que depois se dispersou.

Ainda sinto seus cheiros. Nos sonhos ouço gemidos que interrompem meu sono.

Sei que são queixas... avisos...

O tempo passou e já não sei decifrá-los.

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